22 de junho de 2006

Mario Bava e o universo gótico


Por Fernando Masini em http://www.uol.com.br/tropico

Antes de se tornar diretor, Mario Bava percorreu cada etapa da confecção de um filme. Fez de tudo um pouco. Começou ajustando legendas e preparando os títulos de abertura para os filmes do pai. Foi supervisor de efeitos especiais e diretor de fotografia de nomes consagrados como Roberto Rossellini e Raoul Walsh. E, talvez pelo tempo despendido em cada uma dessas funções, tenha começado tarde a dirigir seus próprios filmes, apenas aos 46 anos.

Filho do escultor e cineasta Eugenio Bava, Mario nasceu em San Remo, Itália, em 31 de julho de 1914. Aprendeu logo cedo com o pai os segredos de composição de cenário e iluminação. Sua primeira experiência como diretor aconteceu em 1956 como colaborador de Riccardo Freda no filme “I vampiri” (Os vampiros), considerado o primeiro filme de horror italiano da era sonora.

Mais do que prestar assistência, Bava assumiu a direção do projeto, quando Freda abandonou os estúdios, após um desentendimento por causa do tempo concedido para as filmagens, segundo ele, muito apertado. O fato é que Bava agüentou as pontas e conseguiu finalizar o restante do filme em apenas dois dias. O mesmo aconteceria no ano seguinte. Mais uma vez Freda pularia fora e deixaria nas mãos do seu diretor de fotografia, Mario Bava, a incumbência de terminar o filme “Caltiki il mostro immortale”.

De positivo restou a Bava uma espécie de recompensa oferecida pelo produtor Lionello Santi. Ele teria a chance de dirigir seu próprio filme. Em 1960, Bava estréia com “A máscara do demônio”. O roteiro, baseado no conto “Viy” do escritor russo Nikolai Gogol, conta a história da princesa Asa e de seu irmão Igor Javutich, condenados a morrer na fogueira por práticas de satanismo. Antes de serem queimados, ambos têm duas máscaras cheias de espinhos pregadas no rosto.

Após dois séculos, no dia da comemoração de São Jorge, a princesa Asa e seu irmão renascem e iniciam uma série de assassinatos. Um jovem médico que participa de uma convenção no local vai tentar combatê-los e proteger Kátia, a filha do rei. Tanto ela quanto Asa são interpretadas pela atriz britânica Barbara Steele, que seria mais tarde reverenciada como a “princesa” dos filmes de horror.

Daí em diante, em apenas cinco anos, Bava dirigiu sete filmes e pôde exibir seu universo sobrenatural e fantasmagórico farto de sombras e efeitos visuais, além de versar sobre assassinatos misteriosos como em “La ragazza che sappeva troppo” (1962), sub-gênero que se tornaria bastante popular sob o olhar de Dario Argento.

Em 1963, Bava filma três histórias de horror em “I tre volti della paura”, lançado em DVD no Brasil pelo selo Dark Side com o título “As três máscaras do terror”. No primeiro capítulo, chamado “O Telefone”, uma mulher chega em casa e o telefone começa a tocar sem parar. Seu ex-amante, fugido da prisão, passa a fazer ameaças contra ela. Diz que vai matá-la e descreve todos os seus passos na sala. Ela resolve ligar pra uma amiga e pedir ajuda.

Tanto no primeiro quanto no último episódio, “Gota d’água” -sobre uma enfermeira que ajuda a vestir uma velha morta e aproveita a ocasião para furtar-lhe um anel de brilhante- Bava deixa o sobrenatural de lado para investir numa filmagem mais misteriosa, cheia de suspense, com momentos dignos de Hitchcock, onde pouco acontece e muito se sugere através do pavor dos personagens enclausurados dentro de casa.

Já no segundo episódio, “O wurdulak”, o diretor recorre mais uma vez ao sobrenatural e ao feitiço do olhar feminino, evocados anteriormente em “A máscara do demônio”. Um conde viajante encontra um homem morto, apunhalado no peito, e busca refúgio numa casa isolada. Os irmãos explicam-lhe que o pai (Boris Karloff, a criatura em “Frankenstein”, dirigido por James Whale em 1931) havia deixado a casa cinco dias atrás em busca de Alibek, um bandido turco cuja lenda dizia que era um wurdulak, cadáver que tem sede de sangue.

O conde resolve pernoitar na casa. Na mesma noite, o pai retorna contaminado pela mordida do vampiro. Os familiares hesitam em matá-lo apesar de perceberem a transformação. Aos poucos, todos vão sendo contaminados até sobrar Sdenka, a mulher por quem o viajante se apaixona. Assim como a princesa Asa, Sdenka reluta em aceitar o pedido de fuga do forasteiro apaixonado ao alegar fidelidade aos laços familiares, atrelagem junto ao lar.

Depois de quebrar o contrato com a American International Pictures, Bava voltou a trabalhar com orçamentos apertados e tempos de filmagens bastante curtos, o que parece ser fato corriqueiro na sua carreira. Em “Operazione paura” (“Kill, baby... Kill!”), de 1966, Bava e a equipe concordaram em terminar o filme sem ganhar um tostão depois que os produtores abandonaram o projeto ainda nas duas primeiras semanas.

Na década de 70, Bava emplacou mais dois filmes giallo, na mesma época em que Dario Argento debutou com “O pássaro das plumas de cristal”. O primeiro deles, “Cinque bambole e la luna d’Agosto” (“Five dolls for an August moon”), conta a história de uma série de assassinatos envolvendo rapazes que, a convite de um empresário, tiram férias numa ilha isolada.

Quatro anos mais tarde, outro percalço durante um projeto inacabado: “Cani arrabbiati” (“Rabid dogs”), filme de 1974 que o próprio diretor não pôde ver completo. A première mundial aconteceu somente 20 anos mais tarde em Bruxelas. O produtor Roberto Loyola decretou falência e o filme acabou sendo confiscado e apreendido. O enredo trata de dois assaltantes que fazem uma moça refém dentro de um carro. Para o crítico Tim Lucas, trata-se de seu filme mais “ousado” e ironicamente o único filme em que o cineasta foge do universo fantástico.

Mario Bava dirigiu um total de 24 longas-metragens num período de 18 anos. Morreu em 25 de abril de 1980, em Roma, por decorrência de um ataque cardíaco. No artigo “Mario Bava, the illusion of reality”, Alain Silver e James Ursini tentam resumir a excelência de suas obras. “O que faz o trabalho de Bava destoar dos outros cineastas do gênero é a criação de metáforas e ironias por meio da interação de pontos de vista subjetivos e objetivos e também da relação entre a desorientação visual e as emoções do personagem”, escrevem.

Por Fernando Masini em http://www.uol.com.br/tropico