Quando eu era moleque eu adorava assistir qualquer filme baseado em Stephen King que passasse na tv, e tive bons momentos juvenis vendo Christine, Pet Sematary, Silver Bullet, e também algumas miniséries inspiradas nas obras do cara. Eu até batia cabeça ouvindo Ramones cantando “I don’t wanna be buried/in a pet semataaary/ I don’t want to live my life agaaain/woo-oow”(8). Demorou até eu perceber o estilo noveleta repetitivo e a péssima direção das adaptações. O mais perto da perfeição a que chegamos nas tais versões cinematográficas de King veio, claro, das mãos de Kubrick com The Shining, e não de forma menos estilosa também através de um Brian dePalma pungente, em Carrie.
[digo o MAIS PERTO da perfeição porque – matem-me os fãs de Kubrick, mas é verdade – a cena de Nicholson congelado com a cabeça pra fora da neve e os olhos vesgos é hilária e sem noção. É uma piadinha desnecessária, fala sério, com certeza].
Então, também não podemos esquecer de um filme quase biográfico sobre a infância do próprio Stephen King, e que é pra mim o maior clássico da sessão da tarde – Stand By Me. É o filme juvenil e mais adulto(?), e o mais interessante e mais sessão da tarde(??) que eu já vi. Essa dualidade toda se deve ao diretor Rob Reiner, de Misery(1990) e também a River Phoenix e Jack Bauer, claro! Hahaha... minha vida não seria a mesma sem assistir ao vomitódromo de tortas criado pelo gordinho contador de histórias macabras (personagem que faz alusão à própria capacidade “big fish” de King) e às clássicas cenas da fuga do trem (quase um “a ponte do rio que cai” do Faustão) e da sanguessuga dentro da cueca (essa é de chorar).
A dura realidade é que Stephen King não tem o dom da literatura. Até Jorge Amado tem mais manha de vez em quando (analisando Quincas Berro D’água e Os Velhos Marinheiros), e não é errado fazer uma comparação dessas porque os dois atuam no mesmo âmbito – as novelas. King é um autor muito preso à sua forma característica de pescador contador de histórias, e é inegável que seu trabalho não é daqueles que se tornam imortais por seu valor literário (como no caso de um Alexandre Dumas) , mas ele é bom no que faz – uma literatura de bolso, leitura de lazer – e, pelo conjunto da obra, merece um destaque enorme na cultura de todos nós crescidos ao longo das décadas de 80/90. Sua influência em nossas vidas é tão inegável quanto um Night of The Living Dead. Diríamos, em alguns casos, muito mais pela habilidade mesma do diretor (a imagem gasta do rosto de Nicholson em meio à porta quebrada a machadadas), mas em muitos outros casos - onde o filme não vale muito mais que um dvd de 9,90 - ainda assim se tornam inesquecíveis, porque são boas idéias. Ele escreve mal, mas ele tem uma criatividade de valor. Mais que alguns pop’s de ultimamente né, Dan Brown?
“Uma das” obras citadas como cult raridade de King é o Tripulação de Esqueletos, coletânea de contos onde (dizem os fãs) está só “a nata” do autor. Que eu me lembre, eu li apenas um conto. Nada mal, sério. É justamente o clima de acampamento, rodinha em torno da fogueira, BOOO!! Rsrs, mas bem melhor, por serem contos. O blábláblá que recheia os livros de King em taaaantas mas tantas páginas vazias, é deixado de lado e a gente vai direto ao ponto. O chato no final das contas é que TODO ROMANCE DE KING É UM CONTO, com moral e etc, só que ele vai enchendo lingüiça pelo meio do caminho. É como tentar ler “A Queda da Casa de Usher” de Poe se ele tivesse 600 páginas, sendo que o que vale a pena da história realmente está em 8. Poderíamos dizer isso de muitos outros livros, inclusive da literatura mundial, mas não é o caso, visto que, por exemplo, apesar de poder ser reduzido a um conto, “Crime e Castigo” possui muito conteúdo valoroso ao longo de suas trocentas páginas. Não podemos dizer o mesmo das literaturas fast-food de hoje. Noveletas fast-food, pffff.
“The Mist” é um conto estendido que, pelo que eu saiba, fazia parte dessa coletânea. Ele tem 130 páginas neste PDF (está em português-BR mas eu não tive coragem de parar pra ler 130 páginas), e é sobre a adaptação dele que eu vou falar agora, depois do lenga-lenga ;D
Dirigido por Frank Darabont, o mesmo de “Um Sonho de Liberdade”, outra adaptação de Stephen King (interessantes essas histórias que ele escreve sobre presos... lembram de The Green Mile?... rs... tosco...). Começo dizendo que o Darabont é o cara. Se fossem escolher o diretor mais apto a levar qualquer texto de King pras telas, seria ele. Pronto, já dei minha opinião dizendo isso!
O filme começa da mesma forma que qualquer noveleta com tendência a se focar nos personagens, mas tudo é feito sem mais enrolação, dentro de 15 minutos você irá ver toda a galera da cidade (com várias pessoas que se odeiam, evangélicos, advogados, mecênicos, caixas de supermercado, crianças e hippies com cara de Hard Rock, militares) presos no mesmo supermarket. É a arte de aglomerar arquétipos no mesmo ambiente. E funciona, quando bem orquestrado, sem parecer superficial e meia-boca (mesmo sendo!). O grande problema é que, até esse momento, você ainda pensa que o filme vai ser um thriller mais psicológico. Até uma cena “in the basement” onde um grupo de homens luta contra uns tentáculos carnívoros que farejam e gostam de estourar sacos de ração – traduzindo: achei a cena ridícula. Mas de alguma forma haveria de ter esse impacto pra que o resto do filme se desenvolvesse. E se desenvolve superbem, com um misto de terror, ação e ficção científica. Os efeitos são ótimos; a direção é realizada com maestria, é o tipo de filme que você pensa “queria ter visto isso no cinema”, porque você sabe que pularia da cadeira em alguns momentos, ou que ficaria segurando com força o apoio de braço, ou morderia sem parar o canudinho. O melhor é que Darabont não tem piedade – e nem pode ter, pra levar a cabo o final do filme.
Quem tem bom humor (negro) saiu do cinema rindo a lot, nisso acredito. Quem não, deve ter chorado.
As melhores cenas são coordenadas pela atuação de Marcia Gay Harden, como a evangélica psicótica, o que encaminha o filme pelas veredas de um Lord of The Flies e tira vantagem de uma mesma temática “religião e fanatismo” abordada antes por Silent Hill (o que no caso deste outro só arruinou ainda mais o filme, que tinha começado até bem... mas convenhamos, fez melhor que qualquer outra adaptação de games). São seqüências que prendem o espectador de uma forma que só o Darabont conseguiria, tendo um texto de King para adaptar. Após o grande recheio do filme, que se passa no supermercado, passamos a um momento que me fez apreciar ainda mais a minha sessão pipoca – o surrealismo do cenário da “névoa” é deslumbrante. Começo a criar uma teoria de que, por vezes, a computação gráfica consegue substituir bem o uso de drogas.
Não sei se vocês devem ler o conto (eu mesmo não li). Mas vejam o filme. Se eu tivesse que dar uma nota ela estaria entre uma sessão da tarde, uma boa noite de sexo prolongado, e um fumo amargo.
por Saul Mendez | 05.06.2008