23 de maio de 2008

Câmera, zumbis, ação!


Dois filmes, dois contextos um tanto semelhantes. Nas discussões sobre o vídeo-documento e sobre o uso das novas tecnologias nômades e individuais de vídeo (onde entram celulares, portable multiplayers e tantos outros aparatos que convergem milhares de utilitários), estes filmes se inserem em uma veia sanguínea diferente e que estava um tanto batida: a dos mortos-vivos.
A intenção é muito mais a de "dar vida aos mortos", sendo que há tempos não se faz um bom filme com os coitados. Romero sob o controle de uma grande produtora derrapou bonito em "Land of the Dead", e Diary of the Dead seria sua retomada ao climão dos anteriores, sendo que o último da trilogia já pedia fôlego renovado. Já o REC, produzido pela espanhola Filmax (Brian Yuzna é um dos donos) e dirigido por Jaume Balagueró, parece que já foi refilmado (¬¬) pela Sony com o título de "Quarantine" (http://www.containthetruth.com/).

Não vou falar sobre a minha primeira impressão quanto ao trailer da refilmagem.

(por falar em vídeo-documento e handycams) Nem vou falar também de Cloverfield, perdoem-me os fãs de J.J. Abrams. Estamos aqui na área da necromancia, "para Godzilla digite 3".

Vou meramente citar alguns altos e baixos, comparando os dois filmes visto que ambos tratam de zumbis e ambos querem ser filmados com tecnologias (ou técnicas) amadoras de documentação videográfica.

Para começar, temos o filme espanhol. "Experimenta el Miedo" diz o cartaz, e é bem disso que se trata o filme. É bem na linha da "experiência" que ele se insere, sendo que ele poderia ser vendido (assim como o Cloverfield - shit, eu disse que não ia falar dele) como uma entrada pra montanha russa, ou pro barco viking.
Até quando fui capturar as stills ainda dei um pulo da cadeira e senti vontade de reassisti-lo.
O filme é basicamente uma "lost tape" (lembra de A Bruxa de Blair? ainda antes, voltando no tempo, lembra das sequências finais de Cannibal Holocaust? Então.) onde vemos uma repórter e seu cameraman filmando um programinha qualquer que vai acompanhar o plantão de uma equipe de bombeiros.
Ocorre um chamado, os bombeiros atendem, a repórter e o cameraman vão juntos e todo mundo fica preso no prédio com os moradores em uma espécie de quarentena (título da refilmagem completamente desnecessária, com um trailer ridículo - shit, eu disse que não ia falar o que eu achava. tsc). Isso depois de presenciar o ataque furioso de uma senhora gorda que tinha se alimentado de seus gatinhos.


O interessante é que a história, de um plot simples e de uma intenção mais simples ainda, se desenvolve incrivelmente bem, e até o que seriam sustos premeditados acabam assustando, porque o roteiro é realmente bem bolado. A simplicidade inicial flui em uma espécie de subida, a exemplo da própria "subida" realizada pelos personagens até chegar no assustador e escorregadio final no sótão. É, eu falei escorregadio. Mas não farei spoilers. Apesar disso, o final cumpre bem sua função ainda nos últimos minutos, que podem certamente fazer parte de alguns pesadelos dos seus próximos dias.


O uso da câmera aqui é realmente bem feito. Bem feito porque é mal-feito, e é simplesmente UMA câmera no ombro. Ou seja, é fiel à própria história, que prevê uma só câmera. É tremida porque é no ombro, e não existe nenhuma câmera fantasma aqui, nem trilha sonora. É a verdadeira "falsa lost tape". O filme é bem planejado, bem roteirizado, e surte efeito. Dei ponto pro diretor, e dei mais um ponto pra Filmax.

Não dou ponto nenhum pra Sony, pra Screen Gems, e pra refilmagem.

O ponto alto de REC é que ele realmente funciona bem. E isso é ao longo de toda sua duração, o contrário de outros semelhantes como A Bruxa de Blair, que deixa pra dar susto mesmo só no final. O uso da nightshot no final do filme me lembrou uma ótima sequência de The Descent, e é um final bastante perturbador, ver no cinema deve ter sido o máximo. Mas o ponto mais alto do filme pra mim fica na sequência do "exame de sangue" dos mortos-vivos, que o cameraman filma escondido por uma janelinha. É o ponto mais alto do filme.
O ponto baixo fica 1- pela superficialidade. A falha dessa franquia de "filmes lost tape" é que eles se apoiam em uma premissa, e partem pra funcionalidade. Apesar de neste caso o roteiro ser inteligentemente planejado, percebam isso como "brilhantemente calculado". O sopro de inteligência está todo na funcionabilidade da obra. E pra realizar uma "experiência do medo" eu acredito que não seja necessário abolir por completo o que poderia haver de conteúdo (vejamos Repulsion de Polanski). Então, 2- pela tentativa de explicar algo no final. E dar uma explicação fraca. Se você se atém à superficialidade o filme todo, e ele vai funcionando bem assim, não faça uma coisa dessas, não estrague. Em time que está ganhando não se mexe. A explicação foi até criativa, digamos "nova" no que diz respeito a um filme de mortos-vivos, mas não foi convincente.
Sem mais spoilers.

Vejamos agora o retorno de Romero!

"Viu como é? responder perguntas bobas enquanto gente morre ao seu redor? viu só como é?"

Romero é Romero. Ele erra muito mais, derrapa feio, faz breguice, mas ainda assim ele é Romero. No quesito conteúdo, não é preciso dizer que Diary of the Dead bate e muito em REC (mesmo sendo também, a seu modo, superficial, o filme toca em assuntos discutíveis - ao invés de não tocar em assunto nenhum), e no quesito "experiência", se arrisca mais, mas tembém erra muito mais. Em muitos aspectos, erra MUITO mesmo.
Ainda assim, é Romero. E é um filme que não se aprecia muito no "durante", mas no depois. No dia não me agradou, nem me desagradou, pelo menos não por muito. Em alguns momentos sim, nos erros mais grandiosos. Mas foi o tipo de filme que no dia seguinte não fugiu da minhe memória. E, relembrando algumas falas, percebi que talvez tivesse perdido de apreciar o filme da forma certa. E ainda apreciando como um filme de aventura (porque os filmes de mortos-vivos de Romero são, sim, filmes de aventura, pergunte a Robert Kirkman ou ao próprio Indiana Jones, que deve ter aprendido com ele) permaneceu na minha lembrança como uma história composta de elementos bem legais, mas que talvez funcionaria melhor em quadrinhos.


Romero tem uma visão muito mais ampla da sociedade e muito mais ampla da própria tecnologia. Ao invés de querer realizar um simples filme de "garotos de faculdade com uma câmera querendo filmar um curta", como previam as notícias pré-produção, e ao invés de se ater também à predução para a mídia televisiva (como no caso de REC) Romero atira na fogueira toda a parafernália de captação audiovisual, onde cada qual tem sua própria filmadora, celular ou aparato pronto para gravar em qualquer situação, distribuir de qualquer forma (captar via wireless imagens de uma câmera de segurança, jogar no youtube... coisa de porteiro tarado mesmo), ou seja, é uma visão muito mais ampla da sociedade e das mudanças que estão ocorrendo na mesma a partir do momento em que o audiovisual e o individualismo tecnológico são endeusados. A própria tagline é perfeita: "Shoot the dead" (a palavra shoot, ou "atirar", funciona nos EUA também para o ato de gravar com a câmera). Em alguns momentos, são geniais os jogos de câmera que são realizados, passando de handycam a DV, onde podemos ver uma alteração até nos formatos, de widescreen a fullscreen, a 320x240, e as mudanças de qualidade, ruido, etc. coisa de quem entende.
O resultado reflexivo do filme é ótimo, e muitas das idéias que Romero se arriscou a fazer ficaram legais. O triste é que provavelmente alguém vai pegar essas idéias, dar uma roupagem "holywood" e ganhar os louros sobre isso.

"Se a câmera não viu, não aconteceu, certo?"

Mas para por aí também.
A ingenuidade de Romero, além do seu conhecimento tecnológico e social, o atinge em cheio. Romero tenta usar a desculpa de uma "montagem pós-apocaliptica", onde a "narradora" editou o filme de seu namorado a partir das diversas imagens captadas. A desculpa esfarrapada é usada 1- pra justificar uma maldita narração em off, 2- pra justificar o uso de trilha sonora e cortes entre diversas câmeras. Não é preciso dizer que a trilha e a narração em off realmente fazem parte do 98% que atrapalha o bom funcionamento do filme né? Então.
Alguém precisa explicar pra Romero que seu filme Martin (1977) é grandioso porque teve longas sequências sem trilha, sem fala, onde a edição funcionava e tudo se interligava naturalmente. Eisenstein não precisou de narração em off!! quem precisa? Os primeiros 20 minutos de Night of the Living Dead tem o impacto que tem porque não tem narração, não tem essa frescura. Essa papinha de nenêm, o "leite com pêra" pode ser legal pra alguns, mas acredito que não pra maioria. Estraga o ritmo, e no caso de Diary of the Dead, foi crucial.
Alguém precisa explicar pra ele também que não são só headbangers cheios de espinha com camisas do Iron (Maiden) e braceletes que assistem seus filmes. Leia-se: não tente enganar a platéia. Romero entende bem a inserção dos individuos sociais no mundo pós-midiático, sua relação intrínseca com os aparatos de captura audiovisual, mas mesmo assim não desconfia que as pessoas vão sacar a farsa dele? ingenuidade.
Me refiro a isso porque, em muitas cenas, câmeras fantasma filmam closes, pra fazer aquele clássico ping-pong de novela durante uma discussão entre os personagens; que a qualidade de imagem não tem nada a ver com as câmeras usadas pelos personagens; que as imagens supostamente captadas por câmeras de segurança, câmeras de celular, minicams etc, são na verdade e muito perceptivelmente, muito na cara pra qualquer pessoa, filmada com as câmeras profissionais e modificadas no After Effects. Acredito que teria um resultado mais sincero, e gastaria menos com computação gráfica, se fossem realmente filmadas com os respectivos aparatos.
Com isso, vejamos: o filme de Romero é um filme de Lost Tape, que é editado, tem trilha sonora, computação gráfica pra fingir (de vez em quando) qualidade de imagem ruim e/ou amadora (sendo que na maior parte do tempo a qualidade da imagem é muito boa) e, ao longo do filme, tem uma grande quantidade de cenas de câmeras fantasmas e até mesmo cenas filmadas com tripé?
é. e aí o filme derrapa.
(Outra pergunta que passa pela minha cabeça é: câmeras de segurança captam áudio? se sim, conseguem captar LÍMPIDAMENTE e com ótima altura o barulho dos passos de uma pessoa no quarto? se sim, me passa a marca dessa câmera!)

Falando de atuação, os dois filmes tem atuações realmente péssimas, mas por tudo o citado acima, isso se torna muito mais perceptível no filme de Romero. É triste a atuação. Em REC, quem salva muito é a personagem principal, que por ser o carro chefe, guia bem a situação.
Quanto à maquiagem, Romero sabe sempre escolher bem.
Mas alguém me diz... será que o diretor de REC roubou algum rolo de filme do Todd Browning?
shit, eu disse, sem mais spoilers!! rsrsrs

Pra fechar, vou tocar em um ponto que muitos fãs questionariam: e o combate "zumbis velozes vs. zumbis lerdos"? ao que eu respondo o seguinte...
No filme de Romero, os zumbis são muito lerdos e os personagens tem armas pra caralho, até arco e flecha tem. Isso fica até chato.
Em REC, os zumbis são atletas e ninguém tem arma nenhuma! aí é foda. isso é massacre.
Pra equilibrar, acho que é só as armas trocarem de filme! ;)
Pronto, resolvido.

Saul Mendez para o Gore Bahia 23.05.2008

Um comentário:

Anônimo disse...

rpz, tanto o Cloverfield quanto Diary of the Dead, pelo menos para mim, anunciam eles mesmos a falência da tal estética "realista"... quer dizer, são filmes que já incorporaram todas as "vontades" do cinemão, dos diretores de fotografia e das orquestras... não é mais como a Bruxa de Blair, é uma outra coisa... tá certo que as câmeras hoje são fodas, fazem tudo, abrem latas, vêm com laser, enfim, mas isto somente torna cada vez mais impossível dar uma impressão de realidade [isso existe, afinal?] ou fazer com que o registro amador seja, em si, uma opção estética... para mim, acaba sendo a mesmíssima coisa que dar um traveling sensacional em Panavision...

mas o filme do Romero é bonzão, né... ri pencas naquela parte do bosque, q a mumia vai atrás da muiézinha... a melhor cena do ano.

post duca, old man!